Escrito por: Pedro Rubens
O ano era 1899 e a musicista Chiquinha Gonzaga presenteava o mundo com aquela que seria conhecida como a primeira marchinha de carnaval da história. “Ô Abre Alas”, conhecida dos mais jovens aos mais velhos, permeou e marcou a história carnavalesca do Brasil, sendo composta para o desfile do cordão carnavalesco Rosa de Ouro. O que Chiquinha Gonzaga provavelmente não sabia, é que em 2021 sua música serviria como trilha para uma série que conta uma parte da história esquecida do seu amado Brasil.
O Hóspede Americano, nova Original HBO, conta a história de quando “um padre, um bêbado e dois coronéis vão para a selva”. Seguindo a amizade do Presidente Theodore Roosevelt e do Marechal Cândido Rondon, a série nos apresenta a história de quando ambos juntaram seus homens e decidiram desbravar as águas que cortavam o Brasil na tentativa de demarcar um rio que começava no Rio de Janeiro e seguia rumo ao Pará.
A sensibilidade de contar uma história baseada em fatos reais, aqui, é algo esplendoroso. Encontrar em 4 episódios paixão, afeto, respeito e seriedade pelos eventos e personagens que protagonizam a narrativa é algo que faz O Hóspede Americano ser daquelas séries que merecem ser ovacionadas por longos minutos.
Ao trabalhar com um roteiro simples, coeso, eficaz por si só e abrindo mão de arranjos e firulas para alegorizar os eventos, a série consegue transmitir o que se propõe: mostrar que uma ‘roadtrip’ dentro de um barco, navegando por águas desconhecidas e conhecendo terras inexploradas pode ser algo muito além do que um simples ato político e que marque a história de um país.
Ao contar a história caótica entre as divergências políticas, intelectuais, educacionais e principalmente sentimentais que existiam entre o ex-presidente Theodore Roosevelt e o Marechal Cândido Rondon, O Hóspede Americano entrega um roteiro que trabalha mostrando os dois lados de uma mesma moeda e uma viagem de autoconhecimento dos protagonistas.
Enquanto o ex-presidente estadunidense vem às terras brasileiras com ideias progressistas, aqui encontra um companheiro de viagem que defende a república e luta com todas as forças para defender os direitos dos povos indígenas. A amizade dos protagonistas gerada pelo constante conflito entre ambos, além de muito bem trabalhado no roteiro, dá lugar a belíssimas cenas que evocam a reflexão no que tange tudo aquilo que a série coloca diante do espectador.
Se por um lado temos um ex-presidente disposto a fazer de tudo para seu país prosperar e continuar crescendo como a maior potência mundial, do outro temos um homem apaixonado pelo seu povo e pelas suas raízes, ciente de que qualquer prosperidade torna-se nada se os seus não estiverem protegidos e tratados. Diante da nossa conjuntura, isso é algo quase utópico de se pensar...
O Hóspede Americano tem todos os aspectos de um roteiro de documentário, há a constante sensação que tudo está sendo filmado com essa finalidade. Seja pela constante ausência de trilha sonora e o ritmo da série ser conduzido pelo canto dos pássaros ou pelo barulho das águas. A mata e os rios são integrados na narrativa quase como um personagem, mas ao mesmo tempo atuam como diretor e de forma maestral conduzem seu elenco para uma grande odisseia vivida aqui no coração do Brasil.
Usando e abusando de todos os exóticos artifícios da Amazônia, onde foi filmada, a fotografia não precisa de muito esforço para ser um dos alicerces principais da produção. O acréscimo das cenas de flashbacks, são encaixadas em lugares milimetricamente pensados para corroborar com o que foi dito na cena anterior ou até mesmo para algo que virá na sequência.
O Hóspede Americano triunfa diante das séries que optam por contar histórias já conhecidas do público e entrega algo novo, uma história pouco contada e talvez até desconhecida para muitos, assim como o foi para mim. Mas é aí que se encontra o diferencial dessa produção: entregar ao público a realidade de onde eles vieram, não ter vergonha dos seus antepassados, suas histórias e as suas raízes.
Marechal Cândido Rondon tinha apenas 34 anos quando Chiquinha Gonzaga cantava por aí um pedido de ajuda, solicitando que alguém viesse a cuidar de um jardim abandonado pela jardineira. A música que foi composta para um bloco de carnaval tem um local de evidência em uma das cenas mais bonitas que assisti esse ano. A reafirmação da mensagem cantada por Chiquinha Gonzaga dá ainda mais vida à série e reforça a necessidade de amor, respeito, cuidado e entrega!
O Hóspede Americano surge com a efervescência de bloco de carnaval, pedindo alas para entregar uma história cativante. Nos levando para uma viagem sem mapa, adentrado por terras desconhecidas, a série nos convida a voltar para nós mesmos e cantar tal qual a banda Scalene:
“Eu vim aqui só pra te dizer como é bom sumir
Mesmo sem mapa, voltar pra casa dentro de si”
O Rio - Scalene
Nota: 8,87
O Hóspede Americano estreia dia 26 de Setembro, na HBO e HBO Max às 23 horas.