Escrito por: Pedro Rubens
Qualquer tipo de adaptação audiovisual, seja pro cinema ou pra TV, que decida contar uma história real pode sofrer retaliação dada a forma que será abordado aquele determinado recorte histórico. Seja por trazer arcos que são pouco difundidos, como é o caso de O hóspede americano (HBO), ou por trazer histórias como Chernobyl (HBO), que já é bastante conhecida do público em geral, sempre haverá a necessidade de uma pesquisa histórica minuciosa e uma adaptação à ficção que não deixe a desejar.
Glória, nova série portuguesa da Netflix, nos envolve num thriller de espionagem onde embarcamos na jornada de João Vidal, um engenheiro recrutado pela KGB* para ser um espião infiltrado em missões de alto risco. Aqui, vemos uma produção que se dedica a contar uma parcela da História que não é tão difundida, mas com nomes e siglas levemente conhecidos do período em que estudamos a Guerra Fria.
Confesso que me surpreendi bastante com a riqueza de detalhes que o piloto nos apresenta, desde a apresentação do conjunto familiar do protagonista até a estrutura do complexo da RARET**. Por partir do pressuposto que o espectador já conhece aquele determinado enxerto histórico, a série passa por cima de explicações, minimamente básicas, sobre os órgãos envolvidos no contexto histórico em que se situa e talvez soe como desconexa ou confusa, mas no final o quebra-cabeça está montado e tudo faz sentido!
Glória utiliza de uma formatação de roteiro que não peca ao estruturar a série apresentando, logo no início do episódio, uma cena e voltando no tempo para contar os eventos que sucederam até ali e o que veio em seguida. Durante esses momentos, as informações vão chegando, as expectativas são quebradas e na medida que o espectador vai assimilando as informações a série continua a crescer exponencialmente.
O tom da produção é muito semelhante às produções de época, o que aquece o coração se você gosta de produções antigas. Mas há duas coisas em especial que não dá pra passar despercebido e merece todos os elogios possíveis:
Primeiramente a utilização de planos sequências, que ditam o ritmo de Glória e ajudam a outorgar a urgência dos eventos. Não dá pra desconsiderar isso, é impossível! A forma como os eventos são contados através desses takes aparentemente sem cortes elevam o nível da série!
Em segundo lugar, por tratar-se de uma série de espionagem, não sei se propositalmente ou de forma inconsciente, a técnica de filmagem insere o espectador como sendo parte fundamental da cena. Aparentemente você está lá, ao lado do protagonista, tal qual a sua sombra e como um bom parceiro de crime você participa de todos os movimentos dele, transformando a série em uma jornada completamente imersiva e quase palpável.
Glória surpreende por apresentar um período histórico tão pouco disseminado e de forma tão bem narrada. Mesmo com a falta de informações em alguns momentos, ainda assim é possível se deleitar com a gloriosa cama de gato que a Netlix entrega ao público.
Nota: 9,0
* KGB - Sigla em russo que significa Comitê de Segurança do Estado, serviço secreto da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e era um dos mais eficientes e temidos serviços secretos do mundo.
**RARET - Centro de Retransmissão criado a partir da ideia de se fundar uma rádio que emitisse propaganda ocidental para o bloco de leste, com o objetivo de fazer levar os povos locais a rebelarem-se contra os regimes comunistas, dadas as circunstâncias do conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética.