Esse texto não possui spoilers do episódio piloto.
Escrito por: Pedro Rubens
A capacidade cognitiva do ser humano é a base sobre a qual a criação de histórias se sustenta. Quanto mais desenvolvidas forem essas habilidades cognitivas, maior será a capacidade do indivíduo de criar histórias ricas, complexas e memoráveis tais quais as contadas em séries e filmes. Não é de hoje que inúmeros estudos, de diversas áreas, comprovam isso. Em contrapartida, algumas séries servem como um grande ensaio social a partir do prisma cognitivo — ou da falta dele.
Dope Thief, nova minissérie da Apple TV+, criada por Peter Craig e baseada no romance de 2009 de Dennis Tafoya, acompanha a história de Ray e Many, amigos delinquentes de longa data, que se passam por policiais para roubar uma casa desconhecida. Porém, seu pequeno roubo se torna um jogo de vida ou morte quando, sem querer, eles revelam e desvendam o maior corredor de narcóticos da costa leste.
Vivenciados brilhantemente por Brian Tyree Henry e Wagner Moura, a dupla disfuncional se apresenta em cena a partir da perspectiva social onde homens precisam disfarçar-se de policiais da DEA, para roubar pequenos produtores e traficantes de drogas. É nesse ponto que a história passa de uma simples série de drama policial para uma análise — talvez até não intencional — sobre a capacidade do ser humano em criar histórias.
O processo de apresentação dos personagens não se dá de maneira exagerada. Ray é a parte engraçada e extrovertida da dupla, assume o papel de homem da casa após o desaparecimento do seu pai. Isso molda seu caráter e lhe permite andar na linha tênue entre a seriedade e a anarquia. Por outro lado, ainda não se tem muitas informações sobre a história de Many, mas, de antemão, percebe-se que é um personagem mais racional e que busca fundamentação para o que se propõe a fazer — mesmo que seja cometer um crime.
Enquanto o piloto se desenvolve, a característica noir vai dando seus primeiros sinais e funciona quase como um personagem com força própria e narrativa agregada ao enredo principal. Seja pela colorimetria, trilha sonora ou pela direção de câmera, o espectador é levado à imersão, e os acontecimentos soam sinestésicos. Diga-se de passagem, o arrepio vem involuntariamente quando uma determinada voz soa no walkie talkie da dupla.
Porém, talvez, o maior recurso utilizado por Dope Thief seja o uso — e desuso — da linguagem. Se, em dados momentos, os diálogos são apenas para corroborar a construção do roubo e fundamentar a persona de Agentes do DEA, em outros, o silêncio soa quase como verborrágico ao gritar, sem uma palavra, o que os personagens estão dizendo ou sentindo. Os olhares dos protagonistas são potentes e ultrapassam a tela!
A mistura homogênea entre texto e atuação é o epicentro da produção, que não precisa criar subterfúgios mirabolantes para se justificar. A série é o que é. Ponto final! Neste ponto, percebemos que o texto colide dois gigantes debatidos constantemente: a marginalização social e a capacidade cognitiva dos indivíduos.
Afinal, será mesmo que uma pessoa está usando toda a sua cognição no momento em que decide assumir a persona de um policial para furtar drogas e revendê-las?
Dope Thief utiliza-se de todos os recursos linguísticos e visuais possíveis no seu processo de concepção e construção. Enquanto, em alguns momentos, muito se fala ou grita, noutros, reina o silêncio execrável — desta forma, a narrativa constrói-se como um grande deleite para quem lhe aprouver deliciar-se. Contar histórias é, de longe, uma das atividades mais antigas da humanidade e, para muitos, talvez, essa seja só mais uma história em que ladrões tentam sair como vencedores, mas, nas entrelinhas e notas de rodapé, há muito mais do que isso…
O primeiro episódio de Dope Thief chega ao catálogo da Apple TV+ na próxima sexta-feira, dia 14, e o Banco de Séries voltará aqui, nos próximos 7 episódios, para comentar cada um deles.
Nota: 9,0
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Já quero acompanhar isso com o BDS.
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