Escrito por: Pedro Rubens
Já imaginou poder separar sua vida pessoal da sua vida profissional? Mas você já tentou observar esse sonho por outra perspectiva? E se a partir dele, sua vida pessoal fosse toda fragmentada de tal forma que você, de fato, esquecesse quem é e qual a sua essência? Tudo bem, isso pode até parecer algo surreal mas talvez não esteja tão longe da nossa realidade.
Severance, recém finalizada série da Apple TV+, conta a história de Mark e seus quatro colegas de trabalho, funcionários da misteriosa empresa Lumen. A questão é que para trabalhar naquela corporação todos precisaram passar por um processo chamado Ruptura, onde seu ‘eu externo’ esquece do que vive dentro da empresa e vice-versa.
Os curiosos e eletrizantes trailers utilizados no marketing da série já tinham vendido a produção perfeitamente bem, mas nada se compara à experiência de assistir toda a temporada. A Apple TV+ pode ter emplacado sua maior e mais brilhante série até agora!
A confusão de cores que parecem não combinar, atrelado à técnica de montagem e estruturação do episódio são de uma primazia indescritível. Severance parece um quebra-cabeças de 5 mil peças, todas iguais, mas que é montado sem nenhuma dificuldade pela equipe.
O roteiro é afiado, certeiro e preparado para aguçar no público mil teorias ao passo que cria um clima angustiante, seja dentro ou fora da empresa. Inúmeras séries, desde muito tempo, tratam da temática workaholic mas, talvez, nenhuma tenha conseguido tamanho feito como aqui.
A construção dos personagens, internos e externos, é impecável. Seja a partir da ótica de Mark, encenado pelo incrível Adam Scott, um funcionário que já passou pela ruptura ou inserindo Helly, vivida impecavelmente por Britt Lower, que acabou de ser admitida na empresa. Essa última, por não entender muito bem o esquema trabalhista da Lumen, tenta a todo custo sair daquele conglomerado mas se depara num ciclo ininterrupto, presa nos inúmeros corredores e portas que a empresa arquitetou milimetricamente para seus funcionários.
Na mesma sintonia estão Harmony e Milchick, personagens dos excepcionais Patricia Arquette e Tramell Tillman, respectivamente, que são funcionários da Lumen mas em cargos superiores. Ambos vigiam seus liderados e impedem que a ruptura seja desfeita, controlando inclusive suas vidas no mundo para além das paredes da empresa.
A criação de Dan Erickson é brilhante! Não bastasse roteiro, atuação e a direção exemplar de Ben Stiller e Aoife McArdle, Severance ainda investe esteticamente em uma técnica de fotografia chamada Dolly Zoom que foi criada usando um dispositivo de controle de movimento. Quando ativado, o dolly e o software puxam o foco na lente e dão a impressão de imersão no objeto em cena. É de marejar os olhos de tão lindo!
Mas tudo se encaminha para um desfecho avassalador, quando em 40 minutos do episódio final a série obriga você a ficar na ponta do sofá, sem piscar os olhos para não perder nada e terminar a última cena sem respirar diante da agitação do ocorrido. Em um episódio a série fez muito mais do que tantas outras temporadas de inúmeras séries por aí!
A qualidade é indescritível, a paixão pelo que estão fazendo fica evidente nos profissionais envolvidos, logo tudo coopera na construção dessa obra de arte e nos mostra que talvez o processo de ruptura como é apontado na série não precisa de fato acontecer para estarmos inseridos em corporações como a Lumen.
Severance é, na minha opinião, a maior série do ano até agora e mostrou que não foi produzida com a perspectiva de arrastar muitos prêmios, mesmo sabendo que isso acontecerá. Por mais produções despretensiosas mas cheias de responsabilidade, caráter, representatividade e relevância!
Nota: 9.17